segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

O Começo

Seria prudente começar todos os dias. O começo é o que dá sentido a todos os planos que ainda não foram executados.
Começar nos permite manter a consciência plena, ainda que não sempre o bastante, para agir cautelosamente, acertar na maior parte das vezes e aprender alguma coisa com os inevitáveis erros.
Eu gosto de começar. Eu gosto quando depois de um tempo, é possível olhar para trás e caçoar do que antes era tão temível, e agora é rotina. E penso como isso acontecerá com o que vem pela frente.
Eu não deixo muito acontecer, mas gosto de ser surpreendida. Gosto de filmes que parecem não ter fim, de lembranças trazidas de viagem e de desconhecidos simpáticos. Principalmente das velhinhas. E me monitoro na tentativa de sempre ser afável e serena diante dos acontecimentos inesperados. Eu tento achar tudo normal, porque é o normal que eu queria que fosse verdade.
Poder levar lições de outras circunstâncias já vividas para cada novo começo, é um privilégio e uma dádiva. Sim, eu quero começar.
Eu estou apavorada, pirando e me contorcendo de medo.

Eu estou ansiosa e gelada e assustada, e tenho medo porque sempre haverá, em qualquer lugar, alguém que espera algo de mim. Mas do mesmo jeito que eu espero sempre reações rotineiras e inevitávelmente em situações excepcionais sou surpreendida por gestos e palavras desprovidas de interesse e carregadas de simplicidade e com isso ganho não só o dia, mas as vezes a vida inteira, é possível que eu também surpreenda alguém, e dê de presente um minuto de satisfação, para que mais gente no mundo sinta que não está só, e no fim das contas todo mundo só quer ser livre para achar normal, as velhinhas simpáticas e os filmes que terminam de repente.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Do jeito que você é

Suas unhas das mãos estão sempre limpas. Na verdade, suas mãos estão sempre limpas, e as vezes eu fico com vergonha porque suas mãos são mais macias que as minhas, e os meus dedos das mãos são um pouco tortos por causa do jeito que eu seguro o lápis para escrever. Eu não sei se você já percebeu isso, mas você nunca diz, e eu até imagino que você goste das minhas mãos mesmo assim.
Eu nunca disse, mas eu gosto das suas mãos, e sempre gostei.

Seus cílios são compridos, pretos e alinhados. Quando você fecha os olhos fica muito evidente o contraste entre a cor da sua pele e os seus cílios e isso me faz pensar que você é delicado e sensível. Ao mesmo tempo, a curvinha da sua fronte e as suas sobrancelhas espessas parecem indicar que você tem uma proteção muito sólida, um escudo que te faz manter a postura. Sempre. Quando você fecha os olhos, para mim é quase inevitável beijar o espaço entre as suas sobrancelhas e os seus cilios. Beijar a sua pálpebra me recorda que te conheço intimamente. Me faz sentir a linnha tênue entre a sua concha como um escudo quando você se dispõe a enfrentar o que é desconhecido e um abrigo para se esconder do perigo.
Eu realmente amo a sua pálpebra, e quando depois que a beijo, seu pescoço cai para o lado e sua cabeça encaixa sobre o meu ombro, eu sinto um frio na barriga, meu corpo treme de levinho, porque ai eu sei que você é mais meu que nunca, e eu sou mais sua que nunca, e ninguém se atreve a interromper.

Quando eramos menores, as nossas mãos se encontravam casualmente, os beijos eram casuais,os abraços eram quase premeditados, mas nossos olhares já estavam apaixonados antes das casualidades. Eles esperaram pacientemente, e aos poucos tudo se tornou espontâneo, cheio e maciço. Hoje as coisas acontecem e as vezes eu nem percebo. Sei que as vezes você não percebe também. Porque sentir o corpo de um no outro é muito tranquilo e confiável, é como as vezes sentir o próprio corpo. É muito natural. Difícil acreditar que foi a gente que criou. E pra onde vamos agora? A gente vai crescer mais, não é? A gente vai descobrir mais coisas um sobre o outro? A gente vai inovar coisas em nós mesmos e o outro vai descobrir? Eu te pergunto, mas sei que sabe tanto quanto eu, e se é mesmo tanto quanto eu, vale a pena não ler a última página do livro, vale a pena descobrir e se surpreender sempre. Porque sempre tem uma parte do corpo para ser redescoberta.
Mas é como se o olhar já soubesse, e estivesse sempre apaixonado, espereando pacientemente o corpo todo se dar conta disso.